O Brasil foi utilizado como plataforma estratégica pela Rússia para criar identidades falsas para supostos espiões, segundo reportagem publicada pelo jornal The New York Times. A denúncia é resultado de uma investigação internacional que envolveu a Polícia Federal brasileira e serviços de inteligência de pelo menos oito países.
De acordo com a apuração, o Kremlin operava uma espécie de “fábrica de espiões” em território brasileiro. Agentes da elite da inteligência russa, conhecidos como “ilegais”, eram enviados ao Brasil para viver por anos como cidadãos comuns. Nesse período, adotavam identidades brasileiras completas, com documentos legítimos, histórias de vida convincentes e até negócios próprios. Depois, partiam para países como Estados Unidos, Noruega, Holanda e outros, onde atuavam em atividades de espionagem sob o disfarce de brasileiros.
Um dos casos mais emblemáticos é o de Sergey Cherkasov, que utilizava o nome falso de Victor Muller Ferreira. Ele foi preso em 2022 na Holanda, após tentar embarcar para São Paulo com um passaporte brasileiro. Embora apresentasse documentos aparentemente autênticos, uma investigação da Polícia Federal revelou que sua certidão de nascimento era falsa e que “Victor” jamais havia existido no Brasil.
Usando os documentos brasileiros, Cherkasov chegou a estudar na Irlanda e nos Estados Unidos antes de ser detido. A recusa da entrada na Holanda ocorreu após um alerta das autoridades norte-americanas, que já desconfiavam do disfarce do espião.
Por que o Brasil?
A operação da PF, batizada de Operação Leste, durou três anos e identificou ao menos nove agentes russos com identidades brasileiras. Alguns abriram empresas, cultivaram amizades e mantiveram relacionamentos, enquanto apagavam cuidadosamente seus rastros do passado russo. O objetivo não era espionar o Brasil, mas utilizar o país como campo de preparação e legalização das novas identidades.
Segundo os investigadores, o Brasil foi escolhido por causa do valor do passaporte brasileiro, aceito em diversos países — muitos dos quais sem exigência de visto. Além disso, por ser um país miscigenado, os russos conseguiam se passar por brasileiros sem levantar suspeitas.
Segundo o New York Times, o grupo desmantelado era composto por espiões altamente treinados, considerados difíceis de substituir. Pelo menos dois foram presos e outros retornaram à Rússia. Com as identidades expostas, a maior parte dos agentes deve permanecer fora de ação, ao menos por enquanto.